(…) Demasiadas vezes, deitados na cama a meio da noite,
entramos em pânico com mágoas que nos parecem diabolicamente únicas para nós.
Essas ilusões não são possíveis no “Muro das Lamentações”[1].
(…) O muro demarca um local onde a angústia que trazemos dentro de nós pode ser
revelada pelo que é verdadeiramente: uma simples gota de mágoa num oceano
de sofrimento. Serve para nos tranquilizar quanto à ubiquidade do
desastre e corrige definitivamente as suposições sorridentes feitas,
involuntariamente, pela cultura contemporânea.
Entre os anúncios de ganga e de computadores colocados bem
alto nas ruas das nossas cidades, deveríamos colocar versões eletrónicas de Muros de Lamentações
que transmitiriam anonimamente as nossas angústias interiores e nos dariam
desse modo uma noção mais clara do que é estar vivo. Esses muros seriam
particularmente consoladores se pudessem dar-nos um vislumbre do que em
Jerusalém está reservado apenas para os olhos de Deus: os infortúnios particulares
dos outros, os pormenores dos corações partidos, das ambições desfeitas, dos
fiascos sexuais dos impasses ciumentos e das falências ruinosas que ficam
normalmente escondidos atrás dos nossos rostos impassivos. Esses muros
dar-nos-iam provas tranquilizadoras de que os outros também se preocupam com as
suas coisas absurdas, contando os poucos verões que lhes restam, choranedo por
alguém que os deixou há uma década e dinamitando as suas hipóteses de sucesso
através da idiotice e da impaciência. Não haveria propostas de
resolução nestes locais, nenhum fim para o sofrimento, apenas um reconhecimento
público – e, no entanto, infinitamente reconfortante - de que nenhum de nós está sozinho com os seus problemas e lamentações.
(Alain de Botton, Bíblia para ateus, pgs.189/90)